A cultura brasileira tem uma característica básica. Concentra
investimentos e olhares nos grandes centros urbanos. Nos grandes e
milionários eventos. Alguns interessantes, mas a maioria cheia de altos e
baixos. O benefício existe. A concentração do lucro, também. Mas, o
prejuízo é enorme. Estamos no tempo das mobilizações de massa. Dos
ídolos forjados pela mídia. A quantidade vai se sobrepondo a qualidade.
Há um eminente desvio no olhar.
As pedras preciosas estão longe da
visibilidade coletiva. A grande mídia, no geral, optou pelo fácil. Pelo
lucrativo. Pelo rebolado performático. Pela ostentação. O grotesco
ganhou luzes e se impõe em produções milionárias. A massificação acabou
criando um desastre social, ético, estético… Todavia, não nos
enganemos. Nem tudo é lucro. Essa realidade tem um perfil eminentemente
ideológico. A coerção da opinião pública e do gosto popular é símbolo de
lucratividade e poder.
Enquanto isso a memória brasileira padece. Por exemplo, quem lembra
das reivindicações da Coluna Prestes? Aliás, quem lembra que houve no
Brasil uma cavalgada de jovens militares que percorreu 27 mil
quilômetros? Uma das maiores marchas militares da história do mundo. A
Coluna Prestes lutava contra o chamado “voto de cabresto”, pois o voto
era dado na presença dos coronéis. Lutou pela obrigatoriedade do ensino
primário para todos os brasileiros. Os “revoltosos”, como eram chamados,
lutavam contra as estruturas oligárquicas da República Velha e eram
tachados de “bandidos” pela mídia conservadora que, aliás, ainda apronta
das suas. A mídia brasileira modernizou sua indústria, mas conservou
seus métodos.
Pois bem: quando olhamos apenas para o que a mídia nos oferece;
quando acreditamos apenas no que as “autoridades formais” dizem; quando
acreditamos que existe um figurino para a inteligência, para a
sensibilidade e até para a genialidade, em alguns casos; quando deixamos
de perceber a grandiosidade das pessoas que nos cercam, perdemos a
oportunidade de aprender com o que a vida nos presenteia. Talvez por
isso a escritora americana Susan Sontag tenha dito com tanta
propriedade: “precisamos ouvir mais, ver mais, sentir mais”. São os
aprendizados do cotidiano que consolidam nossa personalidade e, não
tenho dúvidas, a configuração da identidade cultural e do pertencimento.
O reconhecimento das nossas raízes é que nos permite voar.
Há uns três anos conheci um cidadão chamado Chico Jó. Um ser
pensante. Um historiador e agitador cultural do Vale do Piancó. Um homem
essencialmente poético. Cheio de aridez sertaneja, mas também cheio de
sensibilidade, solidariedade e humanidade. Coração imenso transbordando
no solo seco. Foi dele a ideia de conceber um projeto de turismo
cultural no traçado histórico da Coluna Prestes. Algo que há dez anos
permaneceu apenas como uma ideia e que agora começa a tomar corpo como
roteiro cultural, tendo a produção local como estratégia de
desenvolvimento do turismo e da economia criativa no Sertão paraibano.
Um projeto que se configura no estudo e no debate sobre a história e
suas imersões futuras. Algo pensado para servir como instrumento de
formação ética e intelectual das novas gerações.
Pois bem: Chico Jó é uma ave rara. Infelizmente pouco reconhecido na
sua terra natal. Mas, isso nunca foi problema. É um exemplo de
perseverança e doação às novas gerações. Um homem preocupado com o seu
tempo. Uma alma inquieta que nem sempre traduz com palavras a imensidão
de toda a sua história. Poucos se aperceberam disso. Sua carga de
conhecimentos é tão imensa e o silêncio devastador instalado na
hipocrisia das ruas é tão maior, que muitas vezes, talvez, ele próprio
se confunda. Com mais de setenta anos, certamente Chico Jó não é um
menino. No entanto, tem a alma leve, como a alma de uma criança.
Uma
alma fortalecida pela inesgotável esperança de ver “Piancó tremer”, como
ele mesmo diz. Ou seja: ele tem consciência que durante décadas, dia
após dia, minuto após minuto, fez o contraponto à mediocridade
voluptuosa e generalizante do poder político. Mesmo tantas vezes
aderindo estrategicamente.
Chico deveria ser mais ouvido. Deveria ser um consultor de princípios
diante da canalhice disfarçada de elegância que não o reconhece. Aliás,
a elite burra deste país não reconhece e nunca reconheceu seus grandes
homens. Talvez depois da sua morte algum oportunista queira colocar seu
nome em alguma rua.
Nem precisa. Seu nome está escrito em cada esquina.
Nas esculturas que concebeu para a Igreja. Nas laudas e laudas que
taquigrafou gratuitamente para a Câmara de Vereadores. Nos projetos que,
sem apoio algum, desenvolveu e desenvolve. Para concluir vou lembrar
uma pequena história. Em Portugal, quando um certo poeta passava pelas
ruas, sua tia dizia: “lá vai Fernando, o inútil”. Não sei o nome da tia,
mas o poeta era ninguém menos que Fernando Pessoa. Não há indício de
comparação nesta observação. Mas certamente expresso aqui a minha
convicção que o prejuízo é grande quando a miopia domina e não nos
permite ver a realidade. Por isso entendo que o olhar atento sobre o
mundo é sempre uma atitude libertadora.
Lau Siqueira, em 07/07/2017 para o ParaíbaJá.
Quando não mais estiver presente Piancó verá a relíquia que merecia ser bem cuidada...
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