Este é mais um daqueles textos que parecem agradar aos leitores e que começam assim: "Poucos sabem, mas a verdade é que...".
Pois bem, pouca gente sabe disto, aqui, na
Paraíba, terra onde os fatos se deram — mas a verdade verdadeira é que o
padre Aristides Ferreira da Cruz (1872-1926), um dos "mártires de
Piancó", não é citado apenas por livros de História, na Imprensa e em
folhetos de cordel da Paraíba em particular e do Nordeste em geral.
Ele, o padre Aristides, figura histórica mui
conhecida dos sertanejos, de há muito também se tornou personagem (meio
de ficção, meio de realidade) de pelo menos um par de romances de dois
importantes escritores nacionais: o romancista gaúcho Érico Veríssimo e o
escritor e contista paranaense Domingos Pellegrini.
Sobre Érico Veríssimo, não carece dizer nada,
tão conhecido é dos leitores, mesmo os de hoje. Além do mais, veio a
ser pai do escritor e cronista Luís Veríssimo, outro imenso artista de
nossas Letras. Mas é talvez necessário aduzir algo sobre o paranaense
Domingos Pellegrini, não tão citado em nossas plagas, apesar de já haver
lançado uma penca de livros relevantes — e de já ter recebido dois
Prêmios Jabuti de Literatura, em 1977 e 2001.
Pellegrini, nascido em Londrina (PR), no ano
de 1949, já lançou uma pá de livros, destacando-se especialmente no
conto, no romance, na poesia, no livro juvenil. Entre suas obras, a
ênfase vai para Terra vermelha (a história da colonização do Paraná); O
caso da Chácara Chão; e O homem vermelho (contos), os dois últimos
premiados. O multifário Pellegrini — escritor, poeta, jornalista,
publicitário, articulista, cronista e figura bem conhecida e amada em
Londrina — reside na tal Chácara Chão do título de um de seus livros. E
escreve principalmente para o Jornal de Londrina e para a revista Globo
Rural, entre outras publicações.
Érico Veríssimo cita o padre Aristides no
romance tripartite O arquipélago [Editora Globo, Porto Alegre,
1961-1962]. Quem leu essa trilogia ainda na década de 1960, pôde intuir:
para colocar o sacerdote piancoense como personagem de sua obra
romanesca, Veríssimo sem dúvida inspirara-se no imperdível livro Coluna
Prestes: Marchas e combates.
Vem a ser o fiel relato feito pelo
"secretário" da mais longa marcha revolucionária já vista pela
Humanidade, o Dr. Lourenço Moreira Lima. Era ele o "bacharel feroz", de
família paraibana, filho do segundo presidente do Tribunal de Justiça do
Estado, o desembargador Joaquim Moreira Lima e neto do comendador de
igual nome.
Veríssimo deve ter lido a segunda edição da
obra de Moreira Lima, saída pela Editora Brasiliense, em 1945, com 631
páginas (a primeira edição, em dois volumes, aparecera em 1931). De todo
modo, o Padre Aristides surge, aí, como personagem por assim dizer
eventual ou en passant. O mesmo ocorre com o uso que dele faz Domingos
Pellegrini em sua bela história No coração das perobas [Record, Rio de
Janeiro, 2002] — embora sua presença tenha real importância para a trama
dos dois romances.
Tupinólogos há que sustentam: Piancó quer
dizer ‘evolução’. Para outros, significaria ‘terror’, ‘pavor’, ‘aquele
que leva medo aos inimigos’. Tal nome foi dado a um dos chefes indígenas
dos coremas que habitavam a região depois conhecida como Vale do (rio)
Piancó.
Pavor foi exatamente o que sentiu a então
Vila de Piancó, no Alto Sertão da Paraíba, quando, a 8 de fevereiro de
1926, soube da aproximação da Coluna Prestes, que, egressa do Ceará e do
Rio Grande do Norte, adentrara o território paraibano. Não era
realmente "a Coluna Prestes", mas apenas um pequeno grupo de um dos
Destacamentos da própria.
Ao amanhecer da terça-feira, dia 9,
praticamente todos os habitantes da Vila tinham dado às de Vila-Diogo —
isto é, fugido para as serras, fazendas ou localidades vizinhas, levando
pertences.
Ficou em Piancó apenas reduzido aglomerado de
civis e militares armados, sob a liderança do polêmico chefe político
local, o padre Aristides Ferreira da Cruz. Esse sacerdote estava
suspenso das ordens da Igreja Católica, desde 1912, isto é, havia 14
anos, por viver maritalmente com uma moça.
Com amigos, o padre Aristides montou quatro piquetes para receber à bala possível invasão da Vila pelos homens de Prestes.
BANDEIRAS BRANCAS NOS TELHADOS
Ocorre que, tendo visto bandeiras brancas
pelas estradas e em telhados de casas, muitos revolucionários da Coluna
achavam que iriam ser recebidos em Piancó sem resistência.
Desta forma é que um pequeno grupo — formado
apenas por alguns poucos homens do Destacamento Cordeiro de Farias, sob o
comando do capitão Manoel de Oliveira Pires (capitão Pretinho) — desceu
a ladeira que dá para a Vila de Piancó. O capitão Pretinho, muito
querido pelos revolucionários, ia à frente, a cavalo, vestido à gaúcha,
com suas bombachas e lenço vermelho ao pescoço.
Vamos
suspender um pouco o relato sobre o que houve na Vila de Piancó para
relembrar algo do que ocorrera poucos dias antes, no Ceará e no Rio
Grande do Norte, com os Destacamentos da Coluna Prestes, inclusive
envolvendo o capitão Pretinho.
FOI DIFERENTE DO ACONTECIDO EM CRATEÚS
Poucos dias antes — mais exatamente na
madrugada de 13 para 14 de janeiro, na Vila de Crateús (CE), a 354
quilômetros de Fortaleza e cuja quase totalidade da população também
fugira espavorida —, esse mesmo capitão Pretinho participara, com muitos
outros homens da Coluna Prestes, do cerco à pequena mas importante
localidade cearense, onde havia entroncamento de ferrovias.
Nessa
ida a Crateús, registrou-se acirrado confronto entre a milícia cearense
e os revolucionários, no momento liderados pelo tenente João Alberto,
comandante de um próprio Destacamento da Primeira Divisão
Revolucionária.
PRETINHO FANTASIADO DE MENDIGO
O capitão Pretinho entrara em Crateús vestido
de mendigo, a fim de observar a movimentação das forças inimigas. No
domingo anterior, o padre Juvênio, então vigário de Crateús, advertira
sobre a quase certeza de os rebeldes de Prestes passarem pela Vila.
Aconselhara aos fiéis que procurassem ficar a salvo de qualquer
tiroteio, retirando-se para povoados ou distritos, serras ou fazendas.
Poucos ficaram na sede municipal.
De sua parte, o tenente Peregrino, da Polícia
Militar cearense, reuniu uma centena de soldados para fazer frente aos
possíveis invasores. Esses tinham muita experiência militar e não
chegaram de uma vez. Preferiram dividir-se em pequenos grupos, que se
acercaram de Cratéus por diferentes pontos.
Mas, de repente, na tarde do dia 16 de
janeiro, um dos grupos faz contato com a milícia legalista. Esta, a
partir de uma igreja, abriu fogo contra os revolucionários, iniciando-se
cerrado tiroteio na Praça da Estação Ferroviária.
Não foi possível desalojar as forças
legalistas que atiravam do templo e, nesse “pega-pra-capar”, morreram,
da parte dos revolucionários, o tenente Tarquínio e o cabo Antonino,
conhecido como Cabeleira, depois sepultados pelos companheiros nos
arredores de Crateús (bairro da Boa Vista).
COLUNA PRESTES EM ARNEIROZ
O Destacamento do tenente João Alberto
entrara no Ceará nas imediações da cidade de Ipu. Ultrapassara os
trilhos da ferrovia para Sobral e ocupara não só esta localidade, como
também Nova Russas, Nova Olinda e Crateús.
Quando o grupo de João Alberto partiu
finalmente da Vila de Crateús foi para, entre os dias 25 e 26 de
janeiro, alcançar a Vila de Arneiroz, no Sertão de Inhamuns, ainda no
Ceará e às margens do rio Jaguaribe. Foi aí que se reuniu à outra parte
da Coluna Prestes, que chegara à mesma localidade e ficara à espera
deles.
Também ali aderiu aos revoltosos o Sr. Pedro
Costa, chefe político da localidade de Várzea Alegre, mas expulso dela
por perseguição política (mais ou menos como ocorrera bem antes com o
padre Aristides, em Piancó, sendo que o sacerdote paraibano,
diversamente, era do situacionismo e viu-se restaurado no Poder
político-partidário pelo então presidente da República Epitácio Pessoa).
NO CEARÁ, MAS SEM JUAREZ TÁVORA
Algo ironicamente, os revolucionários haviam
chegado ao Ceará (e dele saído) sem contarem com a presença, em seus
efetivos, do único oficial cearense da Coluna Prestes, o capitão
tenentista (e também comandante) Juarez Távora.
Ele fora preso pelas forças legalistas logo
depois da incursão a Teresina. O capitão Juarez somente voltaria a se
reencontrar com seus companheiros de Coluna na segunda quinzena de
janeiro de 1927, já em Mato Grosso.
COLUNA VINHA COM 1,5 MIL HOMENS
Em terras cearenses, para fugir à
perseguição, confundindo as milícias governamentais e as tropas
irregulares de jagunços, os 100 homens comandados por João Alberto
tiveram que marchar forçadamente, fazendo até 100 km por dia. João
Alberto promoveu tais movimentações para dar cobertura ao restante dos
Destacamentos, que puderam invadir o território cearense, por outras
áreas, quase sem resistência, embora por ínvios caminhos.
Duas semanas depois de partir de Teresina,
portanto, o comandante João Alberto e seus 100 homens já estavam
novamente reunidos, já nas imediações da fronteira com o Rio Grande do
Norte. A Coluna Prestes, a essa altura, contava com uns 1 mil 500
homens.
ALGO MAIS SOBRE ARNEIROZ
Saindo de Arneiroz, os revolucionários...
Bem, antes de prosseguirmos, façamos pequena pausa. O termo “Arneiroz”
merece comentários, por digressivos que pareçam. O termo original era
arneiros, plural de arneiro (sinônimo de arnado), significando “terreno
arenoso”, “terra infértil”, “terreno estéril”, “terra sáfara”, “terra
seca”, “crivo”, “joeira”. Vem do latim arenarius [local de muita areia]
ou arenaria [areal, lugar de onde se tira areia].
O étimo faz parte de uma constelação de
palavras usadas por escritores como Vergílio, Ovídio, Cícero e outros:
arena [areia, lugar cheio de areia, arena, terreno, anfiteatro]; arenae,
plural do anterior [mas com o sentido de bancos de areia, deserto,
gladiador, palco de circo]; arenaria [areal]; arenosus [substantivo =
terreno arenoso]; arenosus, arenosa, arenosum [adjetivo = arenoso, como
se lê principalmente na Eneida, de Vergílio]; arens, arentis [adjetivo =
seco, ressequido, árido, abrasador, sedento]; areo, ares, arae [do
verbo aere = estar seco, ser abrasador, estar com sede]; aesco [do verbo
arere = tornar seco, secar, secar-se, perder a umidade]; aridus e ardus
[seco] etc.
No latim medieval/português arcaico existia a
forma arenariola, diminutivo de arenarius ou arenaria. E em Portugal há
localidade com a designação de Arneiros, que se passou ao Ceará,
transformando-se depois em Arneiroz.
JUAZEIRO E PADRE CÍCERO
Com o que podemos retornar a nossa história.
Saindo de Arneiroz, evitou a Coluna Prestes encontrar-se com os
ajuntamentos de jagunços e fanáticos, reunidos em torno do Juazeiro do
Padre Cícero Romão e imediações. Para isto, a Coluna teve que marchar em
direção ao Leste. A 29 de janeiro, os revoltosos atravessaram a estrada
de ferro que liga a Capital cearense, Fortaleza, à dita cidade de
Juazeiro. Isto foi feito nas proximidades de Iguatu.
No Ceará, apenas 20 voluntários aderiram aos
revolucionários, com eles seguindo caminho, diferentemente do que
ocorreu com a família Feitosa, que, apesar de fazer oposição ao governo
cearense, recusou o convite de se juntar aos revoltosos em sua marcha
pelo Brasil.
“BATALHÕES PATRIÓTICOS”
De qualquer modo, a adesão desses novos
voluntários compensava, em parte, a perda de seis companheiros,
vitimados pela malária no Maranhão e no Piauí.
O maior perigo, agora, entrando no Rio Grande
do Norte e, depois, na Paraíba, seriam os jagunços ou milicianos
irregulares. Esses grupos, reunidos à Polícia, perseguiam tenazmente os
revolucionários, a exemplo dos chamados “batalhões patrióticos” — um dos
quais se formara recentemente no Juazeiro do Padim Ciço, reunindo
romeiros, devotos e cabras do chefe político Floro Bartolomeu.
Antecipando o que ainda será contado adiante:
um contingente desse “batalhão patriótico” — a cavalo, armado até os
dentes e com a santa ira provocada pelo trucidamento do padre Aristides —
chegou a seguir o rastro do Primeiro Batalhão Revolucionário, já a
partir de um dia depois da saída dos insurrectos do Vale do Piancó.
NO RIO GRANDE DO NORTE
Já no extremo Sudoeste do Rio Grande do Norte
— cuja fronteira atravessaram no dia 3 de fevereiro de 1926, nas
proximidades de São Miguel —, os revoltosos mudaram de rumo para o Sul,
com vistas, em termos gerais, a atingir a Paraíba e, depois, a cidade de
Triunfo, em Pernambuco.
Avançaram para o território paraibano, nesta
ordem: primeiramente, o Destacamento de Cordeiro de Farias; depois, o
comandado por Djalma Dutra; e, finalmente, o Destacamento liderado por
Siqueira Campos.
Quando a Coluna alcançou a fazenda Maniçoba
[não confundir com outras fazendas da mesma designação, no Nordeste,
como a antiga fazenda Maniçoba das Pedreiras, em Pernambuco], ficou a
três léguas de distância da serra do Pereiro, na divisa do Ceará com o
Rio Grande do Norte.
O grosso da Coluna subira a serra do Pereiro
pela ladeira dos Miuns, enquanto o Destacamento de Djalma Dutra ia pela
outra ladeira, a da Esperança, a poucas léguas de distância daquela. A
tropa começou a subir as encostas pelas 5 h da tarde, terminando essa
subida na manhã de 4 de fevereiro, quando o capitão Pretinho alcançou a
Coluna, depois de bater uma força inimiga que se confrontara com seu
esquadrão, destacado em serviço de reconhecimento.
A ladeira de Miuns galga pela encosta da
montanha (serra do Pereiro) em ziguezagues terríveis — uma autêntica
trilha de cabras silvestres, coberta de pedras soltas de todos os
tamanhos e coruscando por entre altos penedos pontiagudos. Dá passagem a
apenas um homem de cada vez.
RUMO A PATOS (PB), TRIUNFO (PE)
Para isto, e depois de vencida ainda a Serra
do Pereiro, onde se registraram escaramuças com milícias e outras tropas
irregulares norte-rio-grandenses, teriam os revolucionários que passar
primeiramente, já em território paraibano, pelo Vale do Piancó, mais
exatamente pela Vida de Piancó.
Em Coremas (que os paraibanos conhecem mais
por lá se encontrar o afamado complexo hídrico de Coremas-Mãe d’Água),
uma parte da Coluna fez bivaque, para descanso dos homens. Bivaque é
quando tropas acampam ao ar livre, em barracas ou abrigos naturais,
especialmente árvores — e, em Coremas, havia, como ainda as há, muitas
oiticicas, que fornecem sombra e refrescam os campos.
Pretendia a Coluna Prestes, alternativamente,
ultrapassar o Vale do rio Piancó e dirigir-se à cidade de Patos, de
onde poderiam controlar as estradas principais para Campina Grande, para
a Capital da Paraíba e para a fronteira com Pernambuco. Prestes e
demais comandantes esperavam receber em Triunfo (PE) notícias de seus
aliados em Recife e na Capital paraibana, que haviam prometido rebelar
as principais guarnições locais do Exército. Isto não foi possível, por
causa de uma traição sofrida pelos revolucionários — mas, a essa altura,
ninguém no Alto Comando da Coluna sabia de tais fatos.
CHEGANDO À VILA DE PIANCÓ
Mas voltemos ao acontecimentos na Vila de Piancó, naquela fatídica terça-feira, 9 de fevereiro de 1926.
Acredita-se
que aquele pequeno grupo de revolucionários, ao se deslocar pela rua do
Conselho Municipal (uma espécie de Prefeitura), sob o comando de nosso
já conhecido, o capitão Pretinho, buscava encontrar a sede da cadeia da
Vila de Piancó. Aí, quem sabe, poder-se-iam “requisitar” armas, munição
etc. E, talvez, até soltar alguns presos vítimas de perseguições
políticas. Ocorre que um dos piquetes estava localizado justamente na
cadeia pública, sede da delegacia de Polícia.
Assim, quando esse minguado agrupamento de
rebeldes entrou na rua do Conselho Municipal, tiros vindo do piquete dos
policiais comandados pelo sargento Manuel Arruda feriram mortalmente o
Capitão Pretinho, um dos mais queridos coluneiros.
Seguramente, na Vila de Piancó, foram
feridos, uns mortalmente, outros não, os capitães Manoel de Oliveira
Pires (capitão Pretinho) e João Batista dos Santos, além do tenente
Agenor Pereira de Sousa. Como se viu, perdeu também a vida o sargento
Lino (Laudelino da Silva), dizem uns que com um tiro no peito, ao passo
que outros sustentam que foi na cabeça.
Houve um momento em que o padre Aristides
ordenou se levantasse, na casa, um pano branco, pedindo trégua, que foi
concedida. Era para a cozinheira (eventual) da residência, Dona Antônia
César de Lima, deixar o local com duas crianças, o que foi feito. Logo
depois, o tiroteio recrudesceu.
ENTRE MORTOS E FERIDOS
No livro de Lourenço Moreira Lima, lê-se que
“caíram feridos, logo no início do combate, e quando avançavam
desassombradamente contra a cadeia, os Capitães Manoel de Oliveira Pires
e João Batista dos Santos, além de vários soldados, alguns dos quais
igualmente mortos.
Quanto ao tenente Agenor Pereira de Sousa,
que, no embate de Piancó, havia sido também ferido — mortalmente ferido,
como se veria depois —, ele foi levado pelos companheiros. Mesmo sem
poder andar, continuou assim a marcha, levado pelos amigos.
A 7 de abril de 1926, chegou de padiola à
cidade baiana para onde seguira a Coluna Prestes, ao deixar Pernambuco:
Minas do Rio de Contas, que fora inicialmente o povoado de Pouso dos
Crioulos e depois a antiga Vila Nova de Nossa Senhora do Livramento das
Minas do Rio de Contas, hoje apenas Rio de Contas, integrante do polo
ecoturístico da Bahia.
VIVANDEIRA TAMBÉM DEGOLADA
Riocontenses se condoeram do realmente grave
estado de saúde do tenente Agenor. Seus companheiros de Coluna, sabendo
que, de fato, lhe restavam poucos dias de vida, lá o deixaram, no Rio de
Contas, aos cuidados da população, de seu irmão Alibe (de 17 anos de
idade) e de uma belíssima vivandeira, Albertina (de seus 22 anos). Ela
era também gaúcha e, aparentemente, caíra de amores pelo ferido. Não
queria outra coisa senão dele cuidar.
Para azar geral, depois que a Coluna Prestes
deixou a cidade, apareceu por lá um "batalhão patriótico". Um dos
tenentes dessa tropa de mercenários, agindo ainda mais miseravelmente do
que costumam agir os de sua laia, degolou não apenas Albertina como da
mesma forma Alibe — porque ela se recusara a satisfazer seus apetites
sexuais. Esse miserável ainda circulou com a cabeça decepada da moça,
mostrando-a aos soldados legalistas, sob risos de mofa.
GRUPO VOLTA COM REFORÇOS
O pequeno grupo da Coluna Prestes que antes
das 8 h da manhã penetrara na Vila de Piancó foi rijamente atacado e se
retirou às pressas ou como pôde, deixando estendido ao chão, morto, o
capitão Pretinho, além do cavalo desse, também atingido pela fuzilaria, e
soldados que perderam a vida logo no primeiro momento.
Mas,
cerca de 20 minutos depois, o mesmo grupo de revolucionários retornou,
só que dessa vez altamente reforçado com gente do Destacamento Cordeiro
de Farias.
Logo depois, acudiam também efetivos do
Destacamento Djalma Dutra. Foi então gravemente ferido o tenente
Valfrido, desse último Destacamento de Djalma Dutra, que avançava para o
centro da Vila de Piancó, em apoio aos homens do Destacamento de
Cordeiro de Farias.
“TODO O PIANCÓ QUEIMADO”
Irados com a má recepção demonstrada pelos
habitantes da Vila e principalmente com a morte do Capitão Pretinho,
cuja vida "todo o Piancó, queimado, não pagaria", os homens de Prestes
se lançaram sobre o lugarejo dispostos a vingar a perda e punir os
responsáveis pelo que consideravam uma traição.
Em
inícios da tarde, muitos dos defensores da cidades arranjaram jeito de
fugir. Permaneceu apenas o grupo liderado, numa casa, pelo padre
Aristides, sob intenso tiroteio.
REVOLUCIONÁRIOS AINDA MAIS IRRITADOS
Quando a porta da frente se abriu, um
sargento da Coluna Prestes, Laudelino da Silva (Lino), também muito
querido entre os revolucionários, tentou entrar na casa, de arma em
punho. Mas caiu morto, ao levar um tiro vindo do interior da residência.
Uns escrevem que ele foi atingido no peito; outros, que foi na cabeça.
Essa
nova baixa fez com que os atacantes da casa perdessem de vez a
paciência. Irritadíssimo, o comandante Djalma Dutra mandou que o
sargento João Baiano fosse buscar uma lata de gasolina numa oficina
mecânica (Dutra vira a lata ao passar por lá) e a jogasse numa janela
frontal da casa. A intenção era incendiar a residência, para ver se os
resistentes se rendiam.
A gasolina explodiu com estrondo. Em seguida,
foram jogadas no interior da casa, pela janela, algumas bombas de gás
ou de efeito moral, claro que ainda com o objetivo de forçar uma
rendição. Aproveitando que a atenção geral se voltava para essa janela
frontal, dois dos amigos do padre tentaram fugir por uma janela lateral.
Só um teve êxito, embora ferido. O outro, também baleado, morreu na
hora.
NÃO ACREDITARAM QUE ERA PADRE
Finalmente, os rebeldes conseguiram penetrar na sala da frente da residência, ainda enfrentando resistência no corredor.
O Padre — que não estava de batina, mas de
calças e camisa comuns, em cor branca, com suspensórios — finalmente se
entregou, pedindo clemência para os seus e declarando sua condição de
sacerdote.
— Padre?! Que nada! Você vai é pagar com a vida pela morte de nossos companheiros! — disseram-lhe os irados revolucionários.
COMO FOI O BÁRBARO TRUCIDAMENTO
O padre Aristides e seus homens remanescentes viram-se arrastados da casa para um barreiro próximo.
Sabendo
que, certamente, iria morrer degolado, segundo o bárbaro costume de
cangaceiros, jagunços, macacos, policiais militares e até soldados da
Coluna que os chefes não logravam conter, Aristides insistiu em
declarar-se sacerdote, ser o responsável por tudo e pedir clemência para
os amigos. Pediu também que lhe dessem um tempo para rezar e se
preparar para a morte. Isto lhe foi igualmente negado.
O RITUAL DO SANGRAMENTO OU DEGOLA
E, na exaltação dos ânimos, ocorreu o sumário
ritual do trucidamento por degola. Inquirido, de joelhos e de costas
para o carrasco, o infeliz tem o queixo fortemente levantado para cima,
de modo que fique com a carótida à mostra e olhando para a face do
verdugo. Súbito, este lhe corta a garganta com profundo golpe de
faca-peixeira ou facão. Tal qual se sangra(va) um porco.
Gaúchos até ensinavam a “melhor técnica” de
sangrar um infeliz: mantém-se o prisioneiro de costas para o executor,
com as mãos amarradas para trás; coloca-se a ponta da faca junto à ponta
do nariz da vítima; esta, instintivamente, levanta o rosto a fim de não
ser atingida nesta parte do rosto pela arma branca; e o carrasco
aproveita então para dar profunda facada, de lado a lado, na garganta,
cortando-lhe a carótida. A morte advém em questão de minutos. Por isso é
que a senhora que viu o corpo do padre Aristides, à noite, à luz de um
candeeiro, afirmou que havia “enorme buraco” na garganta dele.
O BARREIRO TINTO DE SANGUE
O barreiro (que, obviamente, era cor de
barro) logo se tornou inteiramente tinto do sangue do padre e de seus
companheiros. Depois, um dos soldados chegou ao requinte de castrar
Aristides e lhe enfiar os testículos boca adentro.
Foi o padre Aristides o último a resultar
executado, tendo assistido, portanto, à degola de todos os seus
amigos/guarda-costas. Seu cadáver, segundo reza a tradição local,
recebeu ainda muitos socos e chutes, golpes de punhal e cusparadas.
INTERPRETAÇÃO DOS REBELDES
Assim interpretaram os revolucionários o
episódio do levantamento dessa bandeira branca e da degola dos
defensores de Piancó, nas palavras do “secretário” da Coluna Prestes,
Lourenço Moreira Lima:
“A velha tradição da degola, que imperava nas
guerras civis dos Pampas, fora combatida pelos oficiais revolucionários
como um costume bárbaro. Porém, a torpeza do deputado-cangaceiro
[refere-se, claro, ao padre Aristides], simulando por duas vezes
consecutivas um ato de rendição, para disparar contra os adversários,
havia despertado a fera. Miguel Costa e Prestes não permitiram que seus
comandados tornassem a se deixar dominar por ela, até o final da Grande
Marcha”.
IMPARCIALIDADE DE OTAVIANO
A esse e a outros pontos já respondeu muito bem, em seu livro Os mártires de Piancó, o padre Manuel Otaviano.
Otaviano,
que ocupou a vaga de vigário deixada por Aristides em Piancó, não era
propriamente amigo do padre Aristides, mas conseguiu escrever livro
altamente equilibrado sobre as trágicas ocorrências, inclusive com os
antecedentes — e as consequências, que, segundo o velho Conselheiro
Acácio, “sempre vêm depois”.
MORTO COM OS QUATRO FILHOS
Deixando os corpos do padre Aristides e de
seus companheiros no tal barreiro, os homens da Coluna Prestes ainda
encontraram, nas imediações da Vila de Piancó, outro amigo do padre
Aristides. Este, tendo recebido recente apelo do sacerdote no sentido de
ajudá-lo a defender a localidade, estava indo para lá com quatro filhos
(e com bastante atraso, como se vê), a fim de atender ao apelo do
sacerdote, que ainda julgava vivo.
Esses cinco
(o pai e os quatro filhos) foram também mortos, tendo o corpo (ainda
com vida) de um de seus filhos, ao que se diz, sido amarrado à cauda de
um cavalo e arrastado caatinga afora, até finar-se. Enquanto isto, em
Coremas, Prestes e outros altos comandantes da Coluna não sabiam que
esses fatos horrendos estavam acontecendo bem perto de seu lugar de
descanso.
MEMORIAL PADRE ARISTIDES
No lugar do trucidamento do padre Aristides,
existe Memorial cuja fotografia saiu publicada num dos mais recentes
livros do mui respeitável intelectual vale-piancoense Franciraldo
Loureiro Cavalcante.
Franciraldo lá esteve,
com outros luminares, como Gonzaga Rodrigues e Francisco das Chagas
Lopes — e pôde rever a lista das mais de 15 vítimas do destino, além do
padre, todos sacrificados nessa refrega que ninguém podia prever e que
ainda hoje paira, como mancha negra, acima da aura de civismo e dos
reais serviços prestados à democratização brasileira pela impressionante
Coluna Prestes.
MAIS DE 60 MORTOS?
Ao todo, morreram 23 piancoenses nesse
incrível recontro, sendo que a maioria foi degolada (sangrada). Eram
eles quase todos aqueles que se encontravam com o padre Aristides, em
sua residência, e não conseguiram fugir. Do lado da Coluna Prestes, as
informações dos próprios revolucionários, se críveis, são de que teriam
morrido nada menos que 40 homens, enterrados por seus companheiros, lá
mesmo, em Piancó. Mas o Vale do Pajeú reclama a honra de ter o cadáver
do capitão Pretinho sepultado às margens do rio que lhe dá nome...
Um
dos amigos do padre Aristides — que escapara da morte pulando uma
janela da casa-piquete, embora tendo levando um tiro — foi quem liderou,
no dia seguinte, quarta-feira, 10 de fevereiro de 1926, o sepultamento
dos corpos do sacerdote e de seus companheiros de infortúnio.
O combate em Piancó durara das 8 h da manhã, aproximadamente, até as 3 h da tarde.
COLUNA PRESTES EM PERNAMBUCO
Já na madrugada do dia 13 de fevereiro (pouco
mais de três dias após o sangrento combate em Piancó), a Primeira
Divisão Revolucionária da Coluna Prestes alcançava o território
pernambucano.
Aí penetrou num ponto situado
entre 1) a localidade de Ingazeira — a 390 km de Recife e na região do
Pajeú, não devendo Ingazeira ser confundida com seu antigo distrito de
Afogados de Ingazeira, hoje município, também às margens do rio Pajeú — e
2) o município de Flores, também no Vale do Pajeú e perto de São José
do Egito, Triunfo e Serra Talhada.
Tanto que,
logo, no mesmo dia 13, os revolucionários estavam na Vila de Triunfo,
conforme acertado com o tenente pernambucano Cleto Campelo — que se
responsabilizara por rebelar as guarnições militares de Recife e da
Capital paraibana. Mas este já é outro trepidante episódio da Coluna
Prestes.
LIVRO DO DESEMBARGADOR CORIOLANO
A propósito, e como adiante será mais
detalhadamente referido, sairá em breve outro livro do Desembargador
Coriolano Dias de Sá, do qual somos Editor. Esta nova obra intitula-se
justamente Roteiro da Coluna Prestes e esmiúça o percurso (e a
repercussão) da Coluna em todo o País, especialmente, na Paraíba e em
Piancó.
Um dos mais importantes documentos
reproduzidos pelo Desembargador, nesse livro, é o relatório apresentado
pelo então tenente-coronel Elysio Sobreira ao Governo do Estado da
Paraíba, com detalhes sobre a constituição dos tais “batalhões
patrióticos” que combatiam a Coluna Prestes.
Citando
especificamente o “batalhão patriótico” organizado no Ceará para caçar
os revolucionários na Paraíba, dizia o militar, à época, que esse
agrupamento “cívico-militar” era em 90% formado por criminosos comuns,
bandoleiros, cangaceiros, estupradores, assassinos profissionais e por
aí vai.
BANDIDOS NO ENCALÇO DA COLUNA
Esses “soldados” irregulares, arrebanhados
pelos Governos estaduais fiéis ao presidente Artur Bernardes para
combater a Coluna Prestes, arrombavam portas, achacavam chefes políticos
e suas famílias e promoviam outras insanas barbaridades.
Assim
fizeram especialmente em Sousa, com o coronel Aproniano Gomes de Sá, “a
quem deram prejuízos incalculáveis”; com o coronel Emygdio [Emídio]
Sarmento, ameaçado de morte se não lhes desse o que pediam; com Avelino
Queiroga, de quem exigiram, “para fazer frente às despesas com seu
pessoal”, a nada módica quantia de 1.000$000 — um mil mil réis ou um
milhão de réis, isto é, um conto de réis, soma que daria aproximadamente
para comprar um quilo de ouro, erguer grande parte de uma igreja ou
construir um quilômetro de ferrovia...
DESMANDOS EM TODO O SERTÃO
Mas tais desmandos não ocorreram apenas em
Sousa. Aconteceram igualmente em Pombal, na Vila de Piancó, no então
povoado de São José da Lagoa Tapada, em Coremas, em Santana dos
Garrotes, em Misericórdia [Itaporanga], em Princesa [Isabel], em
Patos...
A ação desses bandos de celerados
travestidos de patrióticos, tomando à força bens de famílias sertanejas,
na Paraíba (como aconteceu também noutros Estados) redundou em
“prejuízos talvez superiores aos que nos deram os rebeldes”, resume o
tenente-coronel Elysio Sobreira. tenente-coronel Elysio Sobreira...
FOI O PRIMEIRO LIVRO QUE LI
Sem contar os gibis, o primeiro livro que li
foi... Os mártires de Piancó. Era essa a primeira obra a contar em
detalhes o lamentável trucidamento do padre Aristides Ferreira da Cruz e
mais de 20 outras pessoas, em 1926, por um contingente da Coluna
Prestes, de passagem pelos Sertões paraibanos.
Meu
pai adquirira o histórico volume em Patos mesmo, diretamente do Autor, o
padre Manuel Otaviano. Estávamos em 1954, tinha eu uns 8 anos e foi lá,
no livro sobre a “tragédia de Piancó”, que por vez primeira me abismei
com a ferocidade humana — e também deduzi o significado do verbo
recrudescer sem precisar recorrer ao pai-dos-burros. Talvez por isso
nunca tenha abandonado, como os sertanejos em geral, o interesse pelo
mavórtico episódio ocorrido na antiga Vila do Piancó.
MAIS SOBRE A RESIDÊNCIA-PIQUETE
Mas vamos ao que interessa. Esta dominical
página especial de A União da semana passada — sobre a
instrumentalização literária do padre Aristides Ferreira da Cruz
(1872-1926) como personagem en passant de dois grandes romances
brasileiros (O arquipélago, de Érico Veríssimo, e No coração das
perobas, de Domingos Pellegrini), assim como na Literatura de Cordel —
veio a despertar mais atenção entre os leitores do que se esperava.
Assim, hoje, procura-se apresentar aqui novas informações sobre a
sangrenta jornada que o então jovem repórter Praxedes Pitanga chamou de
“a hecatombe de Piancó”.
Voltemos mais uma vez
à fatídica terça-feira, 9 de fevereiro de 1926, quando se deu essa
“chacina de Piancó”. Entre os que lá se achavam bem armados e
municiados, ao lado do padre Aristides Ferreira da Cruz, defendendo a
residência-piquete, na Vila piancoense, estava também o distribuidor em
Juízo Hostílio Túlio Gambarra.
DEFENSORES NÃO ERAM “UNS ANDRAJOSOS”
Quem leu o excelente livro de Domingos
Meirelles sobre a Coluna Prestes, intitulado A noite das grandes
fogueiras [Editora Record, São Paulo, 1998], há de se lembrar que os
defensores do padre são aí apresentados como uns maltrapilhos,
pés-rapados, facínoras andrajosos, cangaceiros desdentados e por aí vai.
Mas não eram isto, não! — protestam os piancoenses de ontem e de hoje,
para quem só o desconhecimento da realidade local permitiria afirmações
desse gênero.
Tome-se o caso de Hostílio Túlio Gambarra.
Ele também se achava entre os que, de armas em punho, junto ao padre
Aristides, defendiam Piancó de algo que achavam ser um “ataque da Coluna
Prestes”. Ele ali não se encontrava apenas como um mero combatente “sem
causa” ou como um wrong man in the wrong place at the wrong time — mais
um homem errado no lugar errado e na hora errada.
Além do padre, estavam entre os que pegaram
em armas não apenas o prefeito local, João Lacerda Moreira de Oliveira, e
seu filho, o comerciante Osvaldo Lacerda Moreira de Oliveira, mas
também o já citado Hostílio Túlio Gambarra, benquisto serventuário da
Justiça; um escrivão do distrito de Aguiar, Manoel Clementino de Sousa;
um escrivão da Coletoria Federal em Piancó, Antônio Clementino de Sousa
(filho do anterior); e outras pessoas de destaque local.
ERA TAMBÉM UM GESTO POLÍTICO
Enxergar os defensores de Piancó apenas como
matutos andrajosos sem eira nem beira constitui, no mínimo, lamentável
amostra dos preconceitos alimentados por muitos sulistas contra os
nordestinos. Além do mais, o auxílio de Hostílio e dos demais
combatentes ao padre Aristides representava gesto político.
Eles formavam significativa parcela do grupo
partidário que apoiava localmente o sacerdote, inclusive elegendo-o duas
vezes deputado estadual. Também localmente combatiam a família Leite,
cujo maior representante no Distrito Federal de então (a Capital da
República, no Rio de Janeiro) era o deputado federal Felizardo Toscano
Leite.
Mas não devem admirar-se os leitores se,
entre os que tombaram ao lado do padre, estivessem pelo menos dois de
sobrenome Leite — esses eram de uma dissidência política da família.
HOSTÍLIO, AVÔ DE JORNALISTAS
Em tempo: esse mesmo Hostílio Túlio Gambarra —
que não se perca pelo pomposamente duplo prenome romano, bem ao gosto
do bacharelismo então ainda mais vigente no Brasil do que hoje — vem a
ser avô materno do jornalista José Napoleão Ângelo. Napoleão é editor de
Opinião do jornal A União e primo do jornalista e professor Orlando
Ângelo, este radicado em Campina Grande.
O colega de Imprensa Napoleão Ângelo, aliás, é
o jornalista de A União que recebeu esta página por e-mail, por nós
enviada, e que a preparou, com seus companheiros de Redação, para que,
depois de passar pelo crivo do Editor-Geral Sílvio Osias, pudesse
circular bem arrumadinha, hoje, nesta edição dominical do jornal oficial
do Estado da Paraíba.
ERA CORRELIGIONÁRIO DO PADRE
Nesse quixotesco enfrentamento do padre
Aristides com um relativamente pequeno grupo da Coluna Prestes, Hostílio
ficou ao lado do padre Aristides Ferreira da Cruz simplesmente porque
era amigo do sacerdote. Como os demais companheiros do padre Aristides,
que igualmente permaneceram na Vila de Piancó para ajudá-lo naquele
transe, não tinha razões ou informações suficientes para alimentar
simpatias ou antipatias por Prestes e por seus homens.
Vivendo nos confins dos Sertões paraibanos,
Gambarra — como a esmagadora maioria dos brasileiros da época — não
podia entender direito o que queriam realmente os revolucionários
comandados por Luís Carlos Prestes, Miguel Costa, Siqueira Campos,
Juarez Távora, João Alberto Lins de Barros, Osvaldo Cordeiro de Farias,
Djalma Dutra, Ari Salgado Freire et alii. Uns desses eram realmente
autênticos idealistas, patriotas, reformistas. Outros, nem tanto, como
fatos posteriores demonstrariam.
MEDO TRANSFORMADO EM CORAGEM
Gambarra devia sentir o que os demais
sentiam: medo ante a aproximação da Coluna Prestes. No Nordeste, ocorria
da mesma forma que noutras partes do Brasil: a Coluna ora era
recepcionada com gritos de “viva!” e banquetes, ora era simplesmente
recebida à bala mesmo, ao estilo da lei-de-chico-de-brito.
Isto
dependia da localidade, da situação política do Estado, das relações
dos habitantes com os esquemas locais de Poder. Medo todo mundo tinha.
Mas havia alguns que transformavam o medo em coragem e até bravura,
fosse para o bem, fosse para o mal, de modo que pegavam em armas e iam
enfrentar a desconhecida fortuna: matar ou morrer; ferir ou ser ferido;
dar adeus à vida ou escapar para contar a história.
CASA FOI SAQUEADA E QUEIMADA
Segundo José Napoleão Ângelo, a História
esqueceu-se de dizer que, depois do trucidamento do padre Aristides e já
estando longe os homens da Coluna Prestes, a residência do sacerdote
foi saqueada por inimigos políticos, jogando-se seus pertences numa
fogueira.
O mesmo ocorreu com a casa e outros bens de seu amigo, partidário e companheiro do fatídico combate, Hostílio Gambarra.
ATÉ QUE SE DERRETESSEM AS ÚLTIMAS RAPADURAS
Por ser piancoense da gema é que o jornalista
Napoleão Ângelo, neto de Hostílio Gambarra, terminou aluno de Joanita
Ferreira, filha do padre Aristides com sua mulher Maria José (Quita).
Isto ocorreu no Grupo Escolar “Adhemar Leite”.
Localizado
no centro de Piancó, esse estabelecimento de Ensino tem mais de 75 anos
de existência. Por ironia do destino, foi erguido sobre as ruínas do
antigo sobrado do padre Aristides, prédio que ardeu e/ou fumaçou por
dias, até que o calor do fogaréu consumisse as últimas rapaduras ali
armazenadas.
OS FILHOS DO PADRE ARISTIDES
O padre Aristides conhecera sua futura
mulher, a então ainda adolescente Maria José (Quita), no coro da igreja
local. Visitara-a frequentemente na casa dos pais, na localidade Água
Branca. Mas, com o falatório surgido em torno desse seu interesse pela
moça e já depois de afastado das ordens religiosas, o padre mandara
raptá-la, passando a viver abertamente com ela. Além de Joanita, que se
tornaria professora, o padre teve com Quita três outros filhos:
1) Jorge Ferreira da Cruz, que, aborrecido
com os adversários políticos e não apenas com os fatos ligados à Coluna
Prestes, depois se fixaria no Sudeste, jamais retornando à Paraíba e
vindo a falecer há alguns anos em Botucatu (SP);
2) Sebastião Ferreira da Cruz (de quem, infelizmente, não disponho de maiores informações; e
3)
Aristides Ferreira da Cruz Filho, que por muitos anos foi fiscal de
rendas do Estado da Paraíba; mas não só por isto é citado no mais novo
livro do Desembargador Coriolano Dias de Sá; esta obra já foi concluída e
será brevemente enviada ao prelo; tem o título de Roteiro da Coluna
Prestes e o Editor da obra vem a ser este criado que ora vos tecla as
presentes linhas).
UMA DEVOTADA PROFESSORA
Foi por causa desse relacionamento marital
com Quita que o então bispo da Paraíba, dom Adauto, alertado pelo
deputado federal Felizardo Toscano Leite, suspendera em 1912 as ordens
do padre.
Especula-se que, num desabafo
posterior à punição, Aristides teria dito, ao assumir abertamente o
relacionamento com a namorada: “O Bispo errou e me fez errar” — no
sentido de que “já que estou sendo punido por uma coisa que não fiz, vou
arranjar um motivo real para a punição”.
Joanita, falecida em 2008, sempre manteve
aquele seu olhar altivo e severo, austero e penetrante — como mestra e
como cidadã. Poucos são capazes de imaginar o que sofreram ela, os
irmãos e, principalmente a mãe, por ser esta, na sociedade ainda mais
preconceituosa da época, “a mulher do padre”, para não falar nas
sombrias circunstâncias em que o pai, o marido resultou morto.
A mãe, Dona Quita, viúva do padre, raramente
falava a curiosos sobre o passado. Mas Joanita, a filha, concedeu
algumas entrevistas sobre o seu pai e tudo o mais. Sem ter uma visão
global sobre a Coluna Prestes e por haver sido criada em ambiente de
ódios políticos e desconfianças familiares, equivocava-se em atribuir ao
governador João Suassuna a armação de uma “cilada” em que “caíra” o
padre Aristides.
De outra parte, firmou seu
nome como professora local, ao lado de outras destacadas mestras: Loura
Lopes, Terezinha Lacerda, Chiquinha Freire, Dezinha Barreiro, Janete
Lopes, Aracy Leite, Ernestina e demais devotadas formadoras de gerações
de vale-piancoenses.
QUATRO PÁGINAS EM A UNIÃO
Tantas são as informações, antigas e novas,
sobre o episódio sangrento dos “mártires de Piancó” que se fez
necessário elaborar uma segunda página especial (e até uma terceira e
uma quarta!) em torno do distribuidor em Juízo Hostílio Túlio Gambarra,
um dos companheiros do padre Aristides nos terríveis acontecimentos.
Essas quatro páginas já foram publicadas em recentes edições dominicais do órgão da Imprensa oficial do Governo paraibano. Estamos a providenciar também a inclusão de um artigo sobre tais fatos na próxima edição da Revista do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano.
Repita-se,
para que fique bem gravado: Hostílio foi um dos um dos mais de 20
piancoenses selvagemente mortos nessa terça-feira, 9 de fevereiro de
1926. Era amigo e correligionário político do padre que liderou a defesa
da Vila de Piancó, contra o que julgava ser um ataque à localidade por
parte da Coluna Prestes.
Mas, como depois
ficou claro, a Coluna somente estava vindo do Ceará/Rio do Rio Grande do
Norte e, tendo alcançado Coremas/Vale do Piancó, queria apenas seguir
para Patos, a Capital paraibana e/ou Pernambuco.
DITO DE OUTRA MANEIRA
Destacamentos da Primeira Divisão
Revolucionária da Coluna Prestes estavam provisoriamente arranchados em
Coremas e proximidades de Piancó. E só pequeno grupo de homens do
Destacamento Cordeiro de Farias entrou na Vila de Piancó, ante a visão
de bandeiras brancas espalhadas pelos caminhos e nos telhados de algumas
casas.
Esse pequeno grupo, liderado pelo capitão
Pretinho, querido entre os revolucionários, ingressava na Vila pela rua
do Conselho Municipal, quando foi alvejado a partir do piquete do
sargento Arruda.
Os tiros feriram mortalmente o
capitão Pretinho e mataram seu cavalo, além de ferirem/matarem uns
quatro ou cinco outros coluneiros. O grupo retirou-se às pressas da
Vila, mas voltou, uns 20 minutos depois, altamente reforçado por outros
homens do Destacamento Cordeiro de Farias, aos quais logo se juntaram
muitos do Destacamento Djalma Dutra.
A ordem dos comandantes era arrasar a Vila,
que tão violentamente recebera o grupo avançado da Coluna. Os homens de
Prestes acreditavam haver sido vítimas de traiçoeira cilada: apesar das
bandeiras brancas, tinham sido recebidos à bala.
NÃO ERAM COMBATENTES “DESDENTADOS”
Os que estavam com o padre Aristides num dos
quatro piquetes da Vila não eram maltrapilhos/andrajosos como alguns
pensam — mas lideranças políticas de Piancó, com seus homens de
confiança, todos fortemente armados. Como só depois (e fatalmente muito
tarde) ficaria claro, jamais chegariam a ser páreo para o “exército”,
numericamente bem superior, dos Destacamentos da Primeira Divisão
Revolucionária.
Aristides não estava por acaso
à frente da defesa da Vila. Era partidário do ex-presidente da
República Epitácio Pessoa. Em 1922, Epitácio determinara (com o emprego
da Polícia e, se preciso fosse, até do Exército) a recondução do padre
Aristides à chefia política de Piancó. O padre (suspenso das ordens
religiosas pelo Bispo Dom Adauto desde 1912) chegara a ser expulso da
cidade, em 1922, pelos partidários políticos dos Leite, após tiroteio
que durou 26 horas.
FAMÍLIA LEITE X PADRE ARISTIDES
Com a esmagadora maioria da família Leite, a relação do sacerdote-político-deputado era como a seguir se descreve.
De
início, o padre Aristides foi uma espécie de “cria” dos Leite, que lhe
deram o apoio político inicial. O fato de ser vigário da paróquia local
fazia-o conhecido de toda a gente, inclusive nos sítios.
Logo,
porém, o padre intuiu que se havia tornado uma liderança piancoense.
Sentiu-se capaz de alçar novos voos, sozinho, isto é, no que hoje se
chama carreira solo. “Engrossou o pescoço” e não quis mais ser liderado
pelos Leite. Dali por diante, seria ele próprio um líder.
Claro
que, numa terra, como muitas outras, dividida em acirradas facções
políticas, conseguiu apoio (inclusive dos Leite dissidentes) e chegou a
ser eleito e reeleito deputado estadual. Isto para grande desgosto da
maioria dos Leite, que tinham no deputado federal Felizardo Toscano
Leite o seu líder regional.
O APELO DE JOÃO SUASSUNA
Para defender a Vila de Piancó, o padre
procurava também cumprir apelo telegráfico do então presidente paraibano
João Suassuna no sentido de obstar a passagem da Coluna Prestes por
Piancó. E, além disso, tentava mostrar que era realmente o chefe
político da Vila, embora estivesse redondamente enganado quanto à Coluna
estar faminta, sem munição e caindo pelas tabelas.
Amigos tentaram dissuadir o padre Aristides:
não devia enfrentar a Coluna, que, ao contrário do que inicialmente se
supunha, chegara ao Vale do Piancó altamente municiada e fortalecida.
Disseram-lhe também: saia da cidade com a família, que a gente se
encarrega de enfrentar a Coluna. Mas o padre teimou em permanecer.
Afinal, onde estava seu brio?!
Tomada a
decisão, ficaram a seu lado o distribuidor em Juízo Hostílio Túlio
Gambarra, benquisto em toda a região, e vários outros correligionários
políticos.
AS FILHAS DE HOSTÍLIO GAMBARRA
Uma das 23 vítimas piancoenses do destino,
naquele pavoroso dia, Hostílio era casado com Maria Gualterina Gervásio
de Sousa Cavalcanti e deixou os filhos:
1) Anita Cavalcanti (Ângelo) Gambarra;
2) Antônia Cavalcanti (Ângelo) Gambarra (Dona Tonhita, mãe do jornalista José Napoleão Ângelo);
3) Gualterina Cila Cavalcanti (Nunes) Gambarra; e
4) e Dagmar Cavalcanti (Nitão) Gambarra.
Com a trágica morte de Hostílio, um
piancoense tomou a si a tarefa de criar suas quatro filhas, juntamente
com seus próprios filhos e como se fossem irmãos deles. Este homem foi
Inácio Liberalino de Sousa, que as acolheu em casa e lhes deu educação.
Muito
franco, seu Inácio Liberalino jamais negou haver fugido da Vila de
Piancó (e se escondido muito bem) logo que o tiroteio se iniciou e ele
viu que a pequena localidade não tinha condições de enfrentar o maciço
poder de fogo dos guerreiros da Coluna Prestes.
Em
seu testemunho, repetido muitas vezes, sempre sustentou que o padre
Aristides ainda tentou se render, levantando uma bandeira branca, mas
seu gesto não foi levado em consideração pelos homens de Prestes — dando
oportunidade, no entanto, a que um de seus combatentes conseguisse
fugir, apesar de ferido.
DONA TONHITA GAMBARRA
Uma das filhas de Hostílio, Antônia
Cavalcanti Gambarra (Tonhita), casou-se com Napoleão Ângelo da Silva,
tendo os seguintes filhos:
a) Telma Rosicléa Ângelo Cavalcanti;
b) João de Deus Ângelo;
c) Luzia Aparecida Cavalcanti;
d) Rosa Cléia Ângelo Cavalcanti; e
e) José Napoleão Ângelo, o jornalista aqui referido.
BOATOS, MENTIRAS, MEIAS-VERDADES
Como não poderia deixar de ser numa cidade
pequena, onde as rixas políticas são hereditárias, quase eternas, e as
“lendas urbanas” correm frouxas, houve acusações de todos os lados
contra todas as partes, em função da grande tragédia.
De
um lado, acusava-se a família Leite de haver “armado” toda a confusão,
para acabar com a vida do padre Aristides, que se tornara um adversário
bastante incômodo; de outro, dizia-se que a armação partira do
governador da época, João Suassuna, que colocara o padre numa “fria”, ao
pedir que defendesse Piancó...
Surgiram até
inacreditáveis outros boatos, como o de que Suassuna teria infiltrado
inimigos do sacerdote, “mascarados”, na própria... Coluna Prestes (?!),
para jogar os fortíssimos revolucionários contra o quase indefeso
padre...
Disse-se ainda que os Leite teriam enviado
“mensageiro” aos chefes da Coluna “informando” que o padre estava à
espera deles, armado até os dentes — como se os principais responsáveis
pela Coluna Prestes estivessem interessados em questiúnculas locais em
torno do efêmero Poder que eles próprios combatiam...
Estas
são apenas algumas das mentiras ou meias-verdades surgidas ao longo do
tempo sobre tão dolorosos eventos. Mas tudo parece decorrer daquilo a
que se refere o antigo ditado português: “Em casa em que falta pão, todo
mundo grita e ninguém tem razão”.
NA REVISTA O CRUZEIRO
Como mostrou a revista O Cruzeiro de 23 de
abril de 1955, quem se responsabilizou pela guarda das filhas de
Hostílio Gambarra foi o coletor e Inácio Liberalino de Sousa. A longa
reportagem na revista dos Diários e Emissoras Associados do jornalista e
magnata da Imprensa Assis Chateaubriand é assinada por A. Monteiro e
intitula-se "O Padre Sangrado”.
Por motivos
mais que óbvios, o jornalista Napoleão Ângelo guarda um exemplar desse
número da então maior revista semanal brasileira, que apresenta, entre
outras, muitas fotos de interesse:
- a casa em que o padre Aristides se entrincheirou com Hostílio e os demais correligionários;
-
o professor Conrado, de Piancó, mostrando o local em que foram
degolados o padre e seus defensores [nada a ver com a história, mas
valha como curiosidade: o mestre Conrado, por esse tempo, era o único em
Piancó a entender língua inglesa!];
- a mulher do padre Aristides, Dona Quita;
- uma foto (a única que sobrou) do próprio padre Aristides.
Mas não existem fotos de Hostílio — elas
foram todas destruídas pelo saque, incêndio e destruição promovidos por
seus inimigos políticos, depois de seu assassinato do padre Aristides e
seus companheiros.
PRAXEDES PITANGA: A “HECATOMBE”
Muito antes de a Imprensa, os poetas de
bancada/cordel, e o padre Manuel Otaviano escreverem sobre os “mártires
de Piancó”, o então muito jovem repórter Praxedes Pitanga já tocara
irada e candentemente no assunto.
Isto ocorreu
pouco dias depois da tragédia, como o historiador Deusdedit Leitão
mostrou há alguns anos em artigo escrito para esta mesma A União.
Praxedes trabalhava então para um pequeno jornal (no estilo A Voz do
Sertão ou Letras do Sertão e que circulava apenas no Vale do Piancó) e
publicou matéria ilustrada, em tom da mais alta indignação contra a
Coluna Prestes, revelando detalhes da “hecatombe de Piancó”.
Dito
de outra forma, nem todo mundo sabe, mas o tom das reportagens que se
seguiriam sobre o martírio do Padre Aristides e seus companheiros foi
dado poucos dias depois da tragédia, mais exatamente no dia 27 de
fevereiro de 1926, com a circulação de um número especial de pequeno
jornal ao estilo Folha do Sertão ou Letras do Sertão, com vendagem em
todo o Vale do Piancó e regiões próximas. O jornalzinho intitulava-se O
Rebate e era publicado em Cajazeiras, como “propriedade e direção
política de Marcolino Diniz”.
A matéria principal, de capa, com
fotografias, intitulava-se “Os Furores da Rebeldia: Pormenores da
Tragédia de Piancó” e era assinada pelo ainda bem jovem Praxedes
Pitanga, conforme mostrou, muitas décadas depois, em reportagem
fac-similar, o historiador e escritor Deusdedit Leitão, no jornal A
União, edição de 10 de setembro de 1975.
O texto do jovem repórter não deixava de
classificar aqueles eventos como “A Hecatombe de Piancó” e relatava —
num teor candente, raivoso e altamente desfavorável à Coluna Prestes —
todos os acontecimentos do dia 9 de fevereiro de 1926. Foi esta a
primeira reportagem, sobre o assunto, feita in loco e ouvindo-se as
principais testemunhas e sobreviventes da refrega.
Foi
essa, possivelmente, a primeira informação aparecida, sob letra de
forma, na Imprensa paraibana, a respeito dos lamentáveis eventos no
Piancó. Era o sangrento choque de duas visões diferentes do que deveria
ser o Brasil e seu futuro.
OS QUE MORRERAM COM O PADRE
Segundo listas apresentadas por historiadores
— de Praxedes Pitanga e o padre Manuel Otaviano (Os mártires de
Piancó), até Franciraldo Loureiro Lopes (Memorial das Famílias Pereira
Cavalcanti e Lopes Loureiro) —, foram mortas, na tragédia da
terça-feira, 9 de fevereiro de 1926, além do padre Aristides e Hostílio
Túlio Gambarra, as seguintes pessoas, num total de 23:
- o Prefeito local João Lacerda Moreira de Oliveira;
- seu filho Osvaldo Lacerda Moreira de Oliveira, comerciante;
- o também comerciante José Ferreira da Cruz (sobrinho do padre Aristides);
- os agricultores Joaquim Ferreira da Silva, Antônio Leopoldo, José e João Lourenço;
- outro agricultor e ex-praça da Polícia, Jovino Raimundo (conhecido por Quelé, hipocorístico de Clementino);
- o guarda municipal Rufino Soares;
- Eloy e Joaquim Severino Leite (pai e filho);
- Manoel Severino Leite;
- José Severino Leite;
- Antônio Cristóvão;
- Manoel Clementino de Sousa (escrivão do distrito de Aguiar);
- um filho deste, Antônio Clementino de Sousa (escrivão da Coletoria Federal em Piancó);
- João Ferreira;
- Antônio Custódio;
- o motorista Severino Rocha da Silva;
- o (ex-)detento Severino Guarabira; e
- Vicente Mororó.
Em contrapartida, tombaram mortos na Vila de
Piancó cerca de 40 homens da Coluna Prestes (pelos cálculos dos próprios
revolucionários), aí enterrados no dia seguinte por seus camaradas de
armas. Outros feridos iam morrendo pelo caminho, em direção a Pernambuco
e Bahia.
O comandante João Alberto ainda fez uma incursão à pequena cidade de Malta, onde conseguiu grande quantidade de armas e munições, sem precisar disparar muitos tiros. E ameaçou a cidade de Patos, onde existiam importantes entrocamentos rodoviários e ferroviários.
Em Patos, os revolucionários esperavam ter notícias do tenente Cleto Campelo e dos demais simpatizantes que tinham ficado de rebelar as guarnições de Recife e da capital paraibana — plano que não deu certo, porque houve delação, as Polícias dos dois Estados foram acionadas, Cleto morreu num dos tiroteios e os conspiradores viram-se presos e/ou mortos. Na Paraíba, o próprio presidente estadual (governador), João Suassuna, comandou a operação da Polícia que desbaratou os envolvidos.
Artigo Original de Evandro Nóbrega - Publicado no Jornal A União
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