domingo, 21 de dezembro de 2014

Projetos da Lei de Incentivo ao Esporte apresentam irregularidades


A Lei de Incentivo ao Esporte (11.438/06), regulamentada em 2007, que concede benefícios fiscais a quem investir em atividades esportivas e paradesportivas – abatimento de até 1% do Imposto de Renda para pessoa jurídica e 6% para física –, aprovou projetos de mais de R$ 1,7 bilhão nos primeiros cinco anos de implementação, segundo dados do Ministério do Esporte (ME).

Desse montante, R$ 670,9 milhões foram efetivamente captados, para apoio a projetos que se enquadram em pelo menos uma das três especificidades: “desporto educacional”, que beneficia alunos matriculados em instituições de ensino; “de participação”, caracterizado pela prática voluntária, promoção da saúde e preservação do meio ambiente; e “de rendimento”, esporte praticado segundo regras nacionais e internacionais, com a finalidade de obter resultados.

Contudo, como apontou em 2010 relatório da Controladoria-Geral da União (CGU), os resultados obtidos pela lei de incentivo fiscal ao esporte deveriam passar por reavaliação do ME. Os apontamentos inseridos no documento indicam deficiências na análise das propostas apresentadas e no acompanhamento da execução dos projetos aprovados pelo Ministério. A CGU constatou a aprovação de projetos que não atendem ao escopo da lei de incentivo – em especial, o objetivo de proporcionar o acesso àqueles que não dispõem de capacidade para atrair patrocinadores na iniciativa privada.

Do mesmo modo, existe o descumprimento, segundo o relatório, da “proposta inicial e primordial” da lei: a priorização de projetos voltados à inclusão social por meio do esporte, preferencialmente em comunidades de vulnerabilidade social, além da formação de atletas olímpicos. Do total captado entre 2007 e 2012 (R$ 670,9 milhões, já citados), R$ 472,2 milhões se destinaram a desportos de rendimento, o que corresponde a 70,4% do montante.

Um exemplo foi a isenção fiscal de R$ 1 milhão concedida ao “Instituto Emerson Fittipaldi”, para o propósito único de ingresso do jovem piloto Pietro Fittipaldi na Nascar. Em sentido igual, foi autorizada a captação de R$ 5,2 milhões em favor da “Federação Mineira de Automobilismo” para o projeto “Alberto Valério – decolando na GP2”, além de R$ 1,8 milhão ao “Automóvel Clube do Vale do Paraíba” para o projeto “Leonardo Cordeiro na GP3 2011” – apesar da data, o valor deve ser captado entre março e dezembro de 2012.

Outro ponto levantado pela CGU diz respeito ao evento “Athina Onassis International Horse Show” (AOIHS), realizado entre 15 e 19 de Outubro de 2008, a cargo da Federação Paulista de Hipismo (FPH). As constatações contidas no relatório dizem haver inconsistências sobre a justificativa e tramitação do plano de gerenciamento de risco no projeto – por conta de uma doença denominada “mormo”, verificada no estado de São Paulo na época.

No dia 02 daquele mês, o presidente da “Global Champions Tour” – organizador do circuito mundial de eventos hípicos –, Jan Tops, mandou carta à Confederação Brasileira de Hipismo e à Sociedade Hípica Paulista, em que solicitava elaboração de um programa de gestão de risco a cargo, especificamente, da empresa “GPS Logística e Gerenciamento de Riscos Ltda.”, sob pena de o evento não ocorrer caso as medidas não fossem tomadas. De acordo com relatório da CGU, “mostra-se incoerente que o Sr. Jan Tops, na Holanda, seria conhecedor da existência da doença ‘mormo’ em São Paulo”, uma vez que o diagnóstico clínico foi confirmado apenas dia 05. 

Ainda, a FPH – também por conta da doença – pediu o adiamento do evento em duas semanas, além de ter ressaltado o caráter de “urgência urgentíssima” da inclusão do referido plano de gestão de risco. A CGU contesta a necessidade de adiamento, uma vez que já havia liberação do transporte de animais, por parte das autoridades sanitárias da União Europeia, e confirmação do início da competição. 

“Observa-se indícios de utilização de informação falsa pelos dirigentes da FPH para justificar a aprovação do projeto de gerenciamento de riscos”, aponta o relatório, que também calcula um acréscimo de R$ 1,6 milhão dos custos com esse projeto, além de indícios de sobrepreço nos serviços prestados estimado em R$ 229,8 mil, considerando-se apenas a contratação de mão de obra.

A Diretoria da FPH negou, através de assessoria, que tenha havido qualquer favorecimento quanto à escolha da empresa “GPS”. De acordo com nota, quanto à doença, “nos relatórios oficiais de avaliação do projeto há um equívoco claro com relação à constatação do surto de ‘mormo’ no Brasil. (…) Efetivamente o surto foi constatado em agosto de 2008 e já havia sido notificado em nível internacional em 02/09/2008”. 

A FPH afirmou ainda que, devido à gravidade da doença, a contratação da empresa “GPS” era “inevitável”, sendo referendada pela RIMS (Risk and Insurance Management Society), da Europa. “Deve-se destacar que as autoridades brasileiras foram informadas de todas as medidas tomadas a cada momento (…), e manifestaram sempre a sua concordância com o que estava sendo feito”, conclui.

A organização Athina Onassis também negou, por meio de assessoria, que tenha havido favorecimento em relação à escolha da “GPS”. “A contratação e o projeto da GPS atenderam a todas as normas de direito público para situação sanitária emergencial. Ademais, o projeto atendeu ainda determinação do Ministério da Agricultura, o qual acompanhou toda execução do projeto, e foi pré-aprovado pela comissão técnica do Ministério do Esporte”, diz nota. A organização afirmou não haver qualquer relação entre o grupo que gere a empresa “GPS” e a empresa organizadora do evento AOIHS. Já assessoria do ME afirmou que abriu “Tomada de Contas Especial”.

Vale ressaltar também, que a isenção fiscal da FPH para eventos que incluíam “Athina Onassis International Horse Show” foi de aproximadamente R$ 3 milhões. Contudo, a competição já contava com cotas de patrocínio que somavam R$ 14 milhões provenientes de empresas como Rolex, Daslu, Hyundai, Vivo, Sony, dentre outras. Além disso, a venda de ingressos gerou receita adicional estimada em R$ 4 milhões. A personagem que dá nome à competição é a neta e única descendente viva de Aristóteles Onassis, o lendário armador grego, um dos maiores magnatas da história. 

Cinco anos da Lei de Incentivo: De acordo com assessoria do ME, até serem aprovados, os projetos passam por uma análise técnica do departamento de incentivo e fomento ao esporte do Ministério e, posteriormente, são analisados por uma comissão técnica formada por três membros do ME, indicados pelo próprio ministro, e três membros indicados pelo Conselho Nacional do Esporte (CNE), que realizam a decisão final. São feitas reuniões ordinárias abertas ao público, toda primeira terça-feira do mês, para o julgamento dos projetos.

Conforme advogado especializado em direito esportivo, José Ricardo Rezende, a principal mudança observada após a implementação da lei se deu pelo sistema eletrônico de cadastramento de projetos. “Antes os formulários eram em ‘Word’, tinham fórmulas muito livres. Agora a linha de elaboração é mais semelhante”. Isso gerou projetos mais consistentes, diz o especialista. “Há condições de se fazer uma avaliação mais técnica. Dentro da linha de regulamentação, permite um formato mais igualitário”.

Isso não impediu que ocorressem desigualdades nos resultados obtidos. Além de a maior parcela dos recursos serem destinados aos esportes de rendimento – que naturalmente apresentam maior capacidade de obter patrocínio –, mais da metade dos fundos provindos de renúncia fiscal estão concentrados em projetos na região sudeste, especificamente em São Paulo. 

Para Rezende, a legislação apresenta o mesmo problema que a Lei Rouanet, por exemplo. Dentre as razões para esse cenário, pode-se identificar a própria densidade demográfica do estado, a atividade econômica mais forte e atividades do terceiro setor. “São Paulo tem uma maior estrutura e maior capacidade de elaborar projetos”. A desigualdade observada é explicada “talvez pela falta de informação e estrutura nas outras regiões do país”, afirma.

Dentre as soluções identificadas pelo especialista, está a criação de mecanismos para suporte regionalizado. “O Ministério do Esporte não tem abrangência, não tem sucursais pelo país. Há pouco acesso ao Ministério. Deve haver mais escritórios nas regiões Norte e Nordeste”, diz. Dessa forma, os escritórios regionais significariam unidades administrativas mais próximas. A assessoria do ME, por sua vez, afirmou que o Ministério tem realizado campanhas e palestras em todas as regiões do país.

Quanto à parcela destinada a esporte de rendimento, para Rezende, o rendimento se mostra maior porque já existem estruturas de confederações e federações que remontam há décadas. “Há condições de gestão mais clara que em um esporte social. ‘Participação’ e ‘educacional’ são mais comunitários, acabam ficando limitados em buscar recursos em nível federal. Fazer a interlocução com o governo federal fica difícil”, conclui. A informalidade – pouca estrutura administrativa – também é apontada como um empecilho ao desenvolvimento dessas atividades. O ME, através de assessoria, afirmou que está estudando formas de equilibrar a distribuição entre as manifestações esportivas.

Fonte: Site do Contas Abertas de 09/05/2012 por Yuri Freitas
About these ads

Nenhum comentário:

Postar um comentário